sábado, 14 de novembro de 2009
Formosa do Rio Preto, no extremo oeste da Bahia, é o maior município do estado, tem quase o tamanho de Sergipe. E é o primeiro da lista dos que mais desmataram o cerrado brasileiro nos últimos dois anos. Justamente o município que tem a maior parte de suas terras em áreas que deveriam ser protegidas.
Uma estação ecológica tem a missão de preservar as margens do Rio Preto e tem também uma floresta que é um pedaço de Mata Atlântica dentro do cerrado. É uma área de acesso restrito. Era esperado encontrar pelo menos um posto de vigilância. Mas, para surpresa da equipe do Globo Repórter, a funcionária responsável pela administração dá expediente em outro município, bem longe dali.
"O escritório da estação funciona em Barreiras, distante 200 quilômetros. Não há guarda-parque", conta a gestora da estação, Balbina Maria de Jesus, que tem apenas um motorista como colega de trabalho.
Em setembro do ano passado, os 4,5 mil hectares da estação por pouco não viraram cinzas. A mata ficou 20 dias em chamas. Quando a brigada de combate a incêndio chegou, o fogo já tinha destruído 60% da estação ecológica. Algumas espécies da vegetação rasteira já recomeçaram a brotar e vão se regenerar. Mas as árvores mais altas morreram. As suspeitas de que teria sido um incêndio criminoso não foram investigadas.
"As causas desse incêndio não são conhecidas e provavelmente não serão", diz Balbina Maria de Jesus.
Se já é difícil proteger 4,5 mil hectares, imagine tomar conta de um patrimônio 250 vezes maior. A Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Preto tem 1,146 milhão de hectares e ocupa mais de 80% das terras do município.
Na região de grandes veredas enfeitadas pela beleza dos buritizais ficam nascentes importantes, inclusive a do Rio Preto, que ajuda a alimentar o Rio São Francisco. As comunidades nativas convivem em harmonia com a paisagem.
"As comunidades já vivem aqui há muitos anos. Elas conciliam essa ocupação com o extrativismo. O impacto é muito pequeno, não há risco", assegura a bióloga Aryane Gonçalves do Amaral.
Entre setembro e novembro, o Charco da Vereda é como se fosse uma mina de ouro para as mulheres. É tempo de colher capim dourado.
"Ficamos muito felizes na época da colheita do capim dourado, porque tem trabalho para as mulheres", diz a catadora de capim Domingas dos Santos Leite.
E trabalho em forma de arte. Com paciência e capricho, elas vão tecendo as peças: bolsas, cestas. O material é bem feito, bem acabado, bonito. E com um detalhe: quando a peça é movimentada, o brilho dourado do capim vai se destacando. As artesãs levam três dias para fazer uma cesta. O produto é vendido por R$ 100.
Mas o sossego dessas comunidades está sendo alterado. Fazendeiros de soja pressionam os nativos para vender as terras que ocupam.
A agricultora Jessy Batista dos Santos conta que já tentaram comprar suas terras. "Nós não vendemos de jeito nenhum. Se vendermos, para aonde vamos?", questiona.
O agricultor Osvaldo Gomes dos Santos, de 57 anos, sustenta a família fazendo farinha de mandioca. Ele, que nasceu na região, diz que a pressão já virou ameaça e mostra uma área que acabou de ser queimada para ampliação de uma fazenda de soja. Fica dentro da APA do Rio Preto e, pelos cálculos dele, em parte das terras ocupadas pela comunidade. "A área era preservada, um cerrado alto", lembra.
Perto da região encontra-se um terreno já pronto para receber a semente de soja. Mais um desmatamento recente dentro da APA do Rio Preto.
"Geralmente, todo ano a gente desmata uma parte. Um pouco mais, um pouco menos, dependendo da situação. Este ano desmatamos 900 hectares. Não temos licença ambiental, porque é difícil conseguir. Até tentamos ir atrás. O pessoal do Ibama vem para multar, mas para conseguirmos licenciamento é difícil. Não sei exatamente o que é uma APA", diz o fazendeiro Joelson Marcelo Lucian.
Não sabe, nem nunca foi avisado. Não há nem placa que identifique a reserva, muito menos fiscalização. A APA do Rio Preto só existe no papel.
Há 25 anos, em meia hora de carro se atravessava toda a área desmatada do cerrado baiano. Hoje o percurso é uma viagem de cerca de sete horas. São 600 quilômetros de estrada em linha reta. De um lado e do outro, onde se via mata de cerrado, agora só se vê área de plantio.
O fazendeiro Walter Horita foi um dos pioneiros. Em 1984, trocou 400 hectares de soja no Paraná por uma área que hoje chega a 40 mil hectares. É um dos maiores produtores da região.
"Naquele tempo, comprar terra era muito barato. Em valores atualizados, eu diria que paguei algo em torno de R$ 50 por hectare. Hoje o hectare vale R$ 10 mil. São 200 vezes mais", calcula Walter Horita.
De acordo com uma imagem de satélite, a produção de grãos já ocupa 20% das terras dos dez municípios que compõem o cerrado baiano, uma região que começa entre Tocantins e Maranhão e vai até a região entre Goiás e Minas Gerais. Mas os produtores querem avançar mais na área plantada.
"Ainda pretendemos desmatar em torno de um 1,2 milhão de hectares, mais 10% da área total. Isso preservando a questão ambiental", adianta o vice-presidente da Associação de Agricultores da Baia, Sérgio Pitt. Isso significa derrubar uma área correspondente à metade do que já foi desmatado na Bahia.
"Pode trazer prejuízos irreversíveis para os rios do oeste da Bahia e, consequentemente, para a Bacia do Rio São Francisco", alerta o gerente do Ibama, Zenuildo Eduardo Correia.
O escritório do Ibama em Barreiras conta com seis funcionários para fiscalizar todo o cerrado baiano: 200 mil quilômetros quadrados, uma área do tamanho do estado do Paraná.
Fonte: Globo Reporter
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