segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Polícia ambiental leva 40 dias para remover enxames de abelhas

O Reveillon da família Portela, num ano novo que estava apenas começando, foi interrompido pela picada de uma vespa. Logo após a ceia, na madrugada do dia 1º, o cineasta Geraldo Portela, 70, teve o braço esquerdo paralisado pelo ferrão do inseto no mesmo dia em que a aposentada Maria Joelina de Oliveira, 83, morreu no bairro do Politeama depois de ser atacada por um enxame de abelhas.

“Dói demais. O braço começou a inchar e não conseguia nem mexer”, conta Portela. Mesmo tendo ligado no dia seguinte para a Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa), a família espera até hoje os policiais. Os Portela, que moram na Barra, não sabem, mas vão ter que esperar mais ou menos 40 dias para a visita da Coppa, único grupo capaz de fazer a remoção desse tipo de inseto na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

A enorme fila para a coleta de abelhas, vespas e outros animais peçonhentos é confirmada pelo próprio comandante da Coppa, major Nilton Machado. Em média, o grupo recebe 16 chamados por dia só por conta de abelhas e vespas. Ligações demais para a guarnição com uma viatura e apenas três PMs qualificados para a atividade, entre os 147 de todo o efetivo.

“Realmente, a fila está grande. A demanda é enorme e gastamos duas horas em cada chamado. A média é de 40 dias de espera. A gente faz o que pode”, afirmou. A morte de dona Maria Joselina fez elevar o número de chamados. “Quando assumi, a média era de 13 chamados da população. Agora é de 16. Hoje (terça-feira) recebemos mais de 20. O pessoal ficou assustado”.
Mas o major também se defende. Deixa claro que o trabalho da Coppa é voluntário. Isso porque coletar enxames não seria atribuição da companhia ambiental. Como se trata de força policial, a função da Coppa, diz o comandante, é combater crimes de meio ambiente, a exemplo de pesca com bomba, garimpos clandestinos, tráfico de animais silvestres e extração de madeira.

“Pela carência desse tipo de assistência, decidimos qualificar 15 homens para lidar com abelhas. Passaram por cursos no zoológico e Ibama. Três deles atuam por dia. É um grupo insuficiente e voluntário”, reafirma o comandante, que também reclama da falta de equipamentos para agir nas situações. “Às vezes a colméia está num local alto. Não temos escadas. Meu policial não é bombeiro”.

Na maioria dos estados, não é a polícia que atua na coleta de enxames, mas exatamente os bombeiros. “Na literatura, até onde eu sei, esse combate passa pelos bombeiros. Em Brasília, por exemplo, os bombeiros fizeram convênios com apicultores. Aqui as autoridades ainda não atentaram para isso”, diz o médico toxicologista Daniel Rebouças, diretor do Centro de Informações Antiveneno da Bahia (Ciave), ligado à Secretaria da Saúde, e que também não tem como missão atender chamados.

TreinamentoO Corpo de Bombeiros diz não se esquivar em atender qualquer tipo de socorro, mas abelhas definitivamente não é a sua especialidade. “Nossos homens são vulneráveis às picadas porque não temos treinamento. A rigor, não é da nossa alçada, mas a gente faz o possível. A gente vai levando”, diz o comandante operacional dos bombeiros na capital e RMS, José Perrone de Souza.

A Coppa, por sua vez, vê nos órgãos do município esse dever. “Quero crer que o município aumente os seus serviços nesse sentido”, cobra o major. O problema é que ninguém quer assumir esse ferrão. Ibama e prefeitura informaram que não têm setor ou secretaria com a missão de retirar as colméias que ameaçam a população.

Além do conhecimento técnico e da indumentária, que mais parece de astronauta, é necessária a utilização de uma série de equipamentos. Por isso, algumas pessoas decidem recorrer a empresas de dedetização ou até apiários que realizam o serviço. Antes que haja um ataque mais grave em sua casa, é o que pretende fazer seu Portela, que não chegou a ser hospitalizado, mas ainda guarda a marca da picada no braço.

Ele acredita que os insetos foram despertados pelo incenso que sua mãe lançou pela casa na noite da virada. Pelo menos duas dezenas deles invadiram a sala de TV e se instalaram no lustre. “Ligamos para a polícia ambiental e não deram nenhuma estimativa de visita. Eles disseram que entramos numa fila”. Aliás, uma perigosa fila.

Cientista trouxe abelhas africanas para SP
Os casos de acidentes com abelhas no Brasil começaram quando as espécies africanas, mais agressivas, foram importadas por uma universidade do interior de São Paulo, em 1956, através do cientista Warwick Kerr.

As 51 rainhas que sobreviveram à viagem foram separadas por uma malha numa floresta. Entre as várias versões, conta-se que um funcionário liberou acidentalmente as abelhas no meio ambiente. Os pesquisadores então perderam o controle. Com o incidente, pessoas foram picadas e algumas morreram. Muitos apicultores abandonaram a atividade de criação.

Responsabilizado, Kerr se dedicou a estudar a genética da produção e da agressividade das abelhas. Na USP, criou a abelha africanizada, híbrida das espécies européias e africana. Mais mansas e bastante produtivas, as africanizadas permitiram aos apicultores produzir o mel orgânico. Na época, a produção de cinco toneladas de mel no Brasil saltou para 17 mil toneladas.

A vida pela colméia

As abelhas vivem em função da rainha e são capazes de tudo para defende-la. Capazes até de dar a própria vida. Tudo o que represente uma ameaça para sua líder pode irritar as operárias, que morrem depois de descarregar o ferrão. “São sensíveis ao cheiro, barulho, cor. O pessoal mexe, joga pedra, toca fogo, faz fumaça. Tudo isso pode despertar um ataque perigoso”, diz Marivanda Eloy, da coordenação de apicultura da Secretaria Estadual de Agricultura (Seagri).

Em Salvador, onde o Centro Antiveneno da Bahia (Ciave) registrou 89 ataques em 2010, não existem regiões preferidas. “Na periferia, onde tem mais mata, registra-se o mesmo número de ocorrências de outros locais”, explica Daniel Rebouças, diretor do Ciave.

Até no centro da cidade elas estão presentes. Isso porque as abelhas são animais migratórios. Quando crescem demais, as colméias se dividem e parte delas se desloca. O problema avança sem parar. “Os espaços desses insetos diminuem a medida que a cidade cresce. Eles têm que se instalar em algum lugar”, diz o comandante da Coppa, Major Nilton Machado.

Importante estar atento aos locais preferidos das abelhas. Podem se instalar entre o forro e o telhado das casas, dentro de depósitos, casas de cachorro e, claro, nas árvores.

Normalmente, durante um ataque de abelhas, um ferrão é acompanhado por várias outros. Um ser humano alérgico pode morrer com apenas uma picada. Especialistas colocam um limite seguro de 30 picadas para uma pessoa sem alergia. “Mas já vi casos de pessoas que resistiram até 400 picadas”, conta Marivanda Eloy.

Aposentada estava na porta de casa em ataque no Politeama
Moradora da Travessa Falcão, no Politeama, a aposentada Maria Joelina Santana de Oliveira, 83, estava na porta de casa no momento de um ataque de abelhas. Ela não resistiu às picadas e morreu no local. Outros oito moradores foram encaminhados ao 5º Centro de Saúde. Os insetos eram abelhas-européias, africanizadas e venenosas.

Abelhas do tipo brasileira e africanizadas, as consideradas mais perigosas

TIPOS DE ABELHAS

Brasileira Sem ferrão, são inofensivas. No máximo, quando se sentem invadidas, dão uma pequena mordida com as mandíbulas. Servem principalmente para a polinização. São menores e mais lentas.

Africanizadas Híbridas, são a mistura das abelhas africanas com européias ou italianas. Agressivas quando importunadas, provocam a totalidade dos acidentes no Brasil. São maiores, mais rápidas e barulhentas.

Como se defender dos ataques

Agitação Não se agite para se proteger. Apenas se afaste. A agitação e o cheiro da adrenalina atiçam as abelhas
Cobertura Procure não dar brecha para as picadas. Cubra o corpo com toalhas ou lençóis grossos e grandes
Irritação Nunca use fumaça, incenso, água, álcool ou fogo. Isso vai irritar ainda mais as abelhas

O que fazer caso seja picado

Limpeza Lave o local com água e sabão
Ferrão Nunca use pinça ou as mãos para retirar o ferrão. Isso pode introduzir ainda mais o veneno na corrente sanguínea. O melhor a fazer é raspar lateralmente o local com uma lâmina. Um aparelho de barbear, por exemplo.
Emergência Procure atendimento médico o mais rápido possível.

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